segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O TABARÉU SEDUTOR ... OU A HISTÓRIA DO MATUTO QUE SE LIVROU DA SOGRA PARA SALVAR A PELE (AUTOR: RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA)

 
                                             Já faz muito tempo, lá pelas bandas do sertão da Bahia, havia um jovem e zeloso Promotor de Justiça que, por força do ofício, envolveu-se numa trágica contenda com um legítimo tabaréu, matuto mesmo, desses de arrancar toco à mão e não se queixar, de pegar boi brabo à unha e sair ileso na parada, além de outras tantas façanhas, dentre as quais a que ocorreu conforme se contará nessas linhas.
                                  Com efeito, numa tarde calorenta e empoeirada na pequena cidade, panorama de dar inveja a qualquer cenário daqueles vetustos filmes de faroeste dirigidos por John Ford, eis que chega o nosso dileto protagonista na porta do fórum local, Fórum Dr. não sei lá das quantas (em justíssima homenagem, ainda que póstuma, a um ilustrado filho da terra, o eminente Dr. não sei lá das quantas), e de logo se dirige ao modestíssimo gabinete do digno e novel representante do Ministério Público, adentrando o recinto, logo após um ligeiro olhar de través para o seu interior. Ao ser perguntado o que desejava, estendeu simploriamente, porém sem maiores preocupações, a mão, entregando um sujo e amassado papel ao seu interlocutor que, de imediato, mandou-o entrar: 
                                                 
                                                  ___ Muito boa tarde senhor José da Silva.
                                                   ___ Boa tarde, doutô.
 
                                                  ___ Seu José, o senhor foi notificado a aqui comparecer em virtude de uma queixa prestada contra a sua pessoa. O senhor, naturalmente, já sabe do que se trata, não?
                                                 ___ Num vá me dizer que é a enrolação com a Cacilda... 
                                                 ___ Exatamente, seu José, é a respeito da dita enrolação com a senhorita Cacilda, sim senhor. Aliás, seu José, embrulho dos grandes, hein?!!
 
                                           A bem da verdade, enrolação maior havia se metido a pobre Cacilda. Coitadinha ... 15 anos, na flor da idade, primeiro namorado, primeiros sonhos, primeiros beijos, conversa vai, conversa vem, neres de televisão, apertos ali, amassos acolá e ... pimba!!! Deflorada, prelibadazinha da silva, sim senhor, sem outro remédio, senão o casório.
                                          Depois de um tremendo bafafá, após o evidente e inevitável aumento de volume da precoce barriguinha, eis a confissão: “O Zé me fez mal, mãe: tô perdida sim senhora e ele é o meu devedor.”
 
                                           Da terrífica revelação para a boca do povo foi um pulo (ainda mais que por ali havia pouco povo). O infortunado pai, homem de pouco ânimo (piorado por aquele desastre), jeito não tinha a dar: bater não ia, matar o infeliz, tampouco; se fosse por bem, fazia com gosto o casamento, caso contrário, solução não tinha. 
                                            Eis senão quando entra em cena a expedita genitora, senhora sanhuda nas redondezas, que sentenciou: “Ou casa descarado ou vou atrás dos direitos de minha filha, vou à Justiça.”
                                            Não casou o descarado, Promotor nele, portanto. Lá estava então o embrulhado cidadão, a ouvir o provecto representante da lei:
 
                                                    ___ Sedução, art. 217, Código Penal. Se casar não tem processo, seu José: art. 107, inciso VII, do mesmo diploma legal, entendeu?
                                                      ____ Pra falar a verdade, doutô, intendi bulufas. Muito número pra mim é uma atrapalhação só, num consigo encacholar. Sedução? Pois o que é isso? Penal, diproma legal? Piorô.
                                             
                                          Depois de tudo explicar, com a costumeira e inabalável paciência, a desvelada autoridade concluiu, para um atônito José, que ele estava numa grandíssima enrascadela. Só se safava com o matrimônio. Ou casava ou iria às barras da Justiça. Pediu um tempo, uns dois ou três dias para esfriar a cabeça, pensar nos prós e nos contras (mais nestes do que naqueles), conversar com a ofendida, enfim matutar com as idéias.
                                            Pois bem. O tempo passou e decorrido o prazo acertado, volta o sedutor à Casa da Justiça para prestar as devidas satisfações:
                                                      
                                                            ___ Doutô, tô com duas noites sem dormir; pensei, repensei, pensei tanto que, desacostumado com tamanha pensação, vi a hora da muriga pifar.
                                                          ___ Então, Zé, já marcou a data?
                                                         ___ Doutô, num leve a má não, mas num vou casá de jeito manera. O sinhô haverá de me descurpá, mas casá, num caso, nem morto. E digo outra coisa excelença, num é prum mode a menina não sinhô. Dela até gosto e até me amarrava com ela, sem sacrifiço: menina nova, o sinhô sabe acuma é, né; direita, honesta e fui eu mermo o causador do estrago, isso eu num nego. Acuntece, doutô, que a mãe dela não há fio de Deus que guente. Aquilo num é gente, tem é parte com o demo. O que esta véia tem apruntado, a me desacatar, a me apurrinhar, é pra cristão nenhum botá defeito. Se agora é assim, imagine depois de amarrado. Além de casado, eu vou tá é morto. Cá o degas não vai nessa.
                                                   
                                        Não adiantaram os argumentos do bem intencionado fiscal da lei. O José da Silva, o Zé, estava inteiramente convicto. Com aquela sogra ele não se ajeitava em nenhuma hipótese. Sogra é sogra: ou presta ou é uma desgraça na vida de um jovem consorte:
                                                       
___ Desgraça por desgraça, doutô, prefiro o processo ___ despediu-se.
                                                
                                        Decepção para o mancebo Promotor. Não havia solução amigável. Logo, requisita-se o devido inquérito policial, depois, tome-lhe denúncia: dura lex, sed lex, aprendera ele. Falta de aviso e de boa vontade é que não foi. Agora é ir para frente e ver se esse sedutor de meia tigela deixa de ser teimoso. Onde já se viu: seduz a menina, 15 aninhos, e depois vem com essa de que não gosta da mãe da moça (da ex-moça, aliás) e coisa e tal. Tapiocano desabusado esse; quem já se viu, em frente a uma autoridade daquele quilate eximir-se da obrigação de restaurar a honra da pobre moça. Deixe estar!!!
 
                                     Pouco tempo se passou, uns cinco ou seis dias, inquérito policial já em andamento, e lá estava o membro do parquet em sua singela sala de trabalho quando surge inopinadamente o Delegado de Polícia e o José da Silva, este, para a surpresa do digno Promotor, algemado, preso.
 
                                                      ___ Excelência ___ disse a circunspecta autoridade policial, o homem acaba de matar a mãe da jovem Cacilda: dois tiros certeiros com uma velha cu-de-boi. Morte imediata. Já encaminhei para o Nina Rodrigues.
                                              
                                              Estupefato, o assustado Promotor tentava compreender a tragédia, quando foi interrompido pelo homicida, numa bravata: 
                                                 ___ Doutô, o negócio é esse: processo por processo, prefiro este; pode marcar a data do casório. Ah, e o sinhô é o padrinho, querendo é craro.
 

 

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