Cena 01
Reconheço
uma sensação de incômodo
Ressinto
a angústia de frequentar espaços privados,
É o
medo de ser rejeitado
Não
consigo entrar na loja
Desacredito
do sorriso cifrado
Que
me convida a entrar
Uma
nota de cem cai do bolso farto
Mas
falta coragem
Principalmente
de ir em frente e assumir
O negro
Cena 02
Transborda
dinheiro
Adrenalina
mal usada
O
pânico se instalou
Quero
entrar
Parece
que o espírito diminuiu
A
loja ainda não fechou
Sinto
que o tum-tum do coração foi abafado
Pelo
silêncio da mente complexada
Eis a
primeira conclusão
Pensamento
01
Não
sei se pertenço a essa realidade social
Foi criado
um mundo particular,
Servo
da finitude marcada pelo opressor,
Que
sou eu, tentando ser o outro propagandeado.
Pensamento
02
Ah!
Ah! Ah! Ah! Que vontade de gritarrrrrrr!
Sempre
o Outro,
Com
as minhas vitórias,
Sempre
Eu, vangloriando-me
Das derrotas,
Escondidas,
às vezes, sob o tapete do riso sem cor
Que
fracasso!!!!
Pensamento
03
Aquela
sensação me acompanha
Nem
as cotas conseguirão repará-la
Qual borracha
conseguirá apagá-la?
Pensamento
04
À
míngua de verdades,
Ainda
sinto na realidade,
feito
dor na mucosa,
As lembranças
de piadas
sobre o cabelo que
não molha
sobre o negro que renega sua história
Quando
me tornarei Negro, então ???????????????????????????????????
Pensamento
05
À
míngua de verdades,
Ainda
não esqueci da infância machucada,
Nas
salas das escolas privadas,
Por
dedos que indicavam,
Com
assombro de quem nunca viu a escuridão,
O preto
cinzento da minha pele,
Sem
creme,
O
preto cinzento da minha pele,
Sem
banho quente,
Pensamento
06:
Então....
Só
água Gelada
Então.....
Só
café preto
Para
acordar esse preto
Mas.......
Nem o pó preto
Nem a fumaça estimulante
Fazem
acordar
Fazem enxergar
O Negro que sou
Pensamento
07
A
capoeira fez a sua revolução
Hoje
tem seu valor
Hoje
tem seu preço no Mercado Modelo
Negros
chegaram ao Poder.
E o
que fizeram depois com seu diploma?
Mostraram
a seus filhos que o caminho é estudar
Mas,
abortos ideológicos ainda continuam
Alguns
foram feitos pela negrada,
Independentemente
do acesso ao estudo,
Justamente
por não ter sido preparada
Para
o racismo que,
Logo
no nascimento,
Com o
tapa forte da parteira,
Para
saber se era escravo mesmo,
Para
anunciar que era preto mesmo,
Teria
que lidar
Com o
racismo que iria participar
Pensamento
08
Como recuperar,
então, a autoestima perdida, tão feroz e
precocemente ofendida?
O
caminho é estudar
O
caminho é estudar a emoção
De
quem já nasce se defendendo
De
quem já nasce sendo preto, negro, tição
Aquela
sensação me acompanha
Pensamento
09
Confundo,
por um instante, a mão estendida
Com o
peso da chicotada
Aquela
sensação me acompanha
Misturo,
na minha alma, o olhar gélido do patrão
Com a
frieza de quem me escravizou
Associo
a boca aberta, pronta para o sorriso,
Com
os dentes que levaram a comida do porão
Aquela
sensação me acompanha
Até
quando?
Pensamento
10
Torço
para que essa sensação seja mentira
Seja
produto vil de uma sensibilidade barata
Torço
para que seja pura imaginação
De
quem esqueceu da vida sem fronteiras
E
parou num racismo psíquico
Só seu
Algemado
pelo passado
Sem
impulso para ir ao futuro
Aquela
sensação ainda me acompanha