segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ao amigo Bacau

 
 
Menino bom esse Bacau
Menino bom mesmo
Parece inté um caboclo
Cheio de palavreado
Cheio de boca torta
Filosofia tem demais
Sabedoria? Já perdeu de vista 
 
 
Oxe, oxente, farinha gosta demais
Feijão é sobremesa
Como inté com as mãos
Pra dizer que é de São Tomé
Mas nisso eu não acredito não
 
O que sei é .....
Que não guenta ver
O que?
O santo merrrrrrrr, a cachaça
E se tiver conversa suja,
Cheia de palavra imunda,
O menino se joga e decola
No palavreado solto,
Afastando, na oração das ruas,
A energia cruzada
Haja gargalhada 
 
Menino bom essa Bacau
Menino bom mesmo
Melhor é Nando, seu irmão
Que sabe beber, véio
Mesmo com sua limitação 
 
O menino tá em dúvida entre sua família
E sua família que nasce
Tá em dúvida entre o sertão
E o mar seguro do porto 

 
Só não pode esquecer, véio
Que nessa decisão,
Nem sempre mandará a razão
Vai com Deus, menino bom
Aonde for,  Jesus beijará sua mão
 


Racismo Psíquico

Cena 01
Reconheço uma sensação de incômodo
Ressinto a angústia de frequentar espaços privados,
É o medo de ser rejeitado
Não consigo entrar na loja
Desacredito do sorriso cifrado
Que me convida a entrar
Uma nota de cem cai do bolso farto
Mas falta coragem
Principalmente de ir em frente e assumir
O negro  

Cena 02
Transborda dinheiro
Adrenalina mal usada
O pânico se instalou
Quero entrar
Parece que o espírito diminuiu
A loja ainda não fechou
Sinto que o  tum-tum do coração foi abafado
Pelo silêncio da mente complexada
Eis a primeira conclusão

 
Pensamento 01
Não sei se pertenço a essa realidade social
Foi criado um mundo particular,
Servo da finitude marcada pelo opressor,
Que sou eu, tentando ser o outro propagandeado.
 
 
Pensamento 02
Ah! Ah! Ah! Ah! Que vontade de gritarrrrrrr!
Sempre o Outro,
Com as minhas vitórias,
Sempre Eu, vangloriando-me
Das derrotas,
Escondidas, às vezes, sob o tapete do riso sem cor
Que fracasso!!!!
 
Pensamento 03
Aquela sensação me acompanha
Nem as cotas conseguirão repará-la
Qual borracha conseguirá apagá-la?


Pensamento 04
À míngua de verdades,
Ainda sinto na realidade,
feito dor na mucosa,
As lembranças de piadas
                            sobre o cabelo que não molha
                                                                        sobre o negro que renega sua história                                                                                                                                                                           
Quando me tornarei Negro, então ???????????????????????????????????
 
Pensamento 05
À míngua de verdades,
Ainda não esqueci da infância machucada,
Nas salas das escolas privadas,
Por dedos que indicavam,
Com assombro de quem nunca viu a escuridão,
O preto cinzento da minha pele,
Sem creme,
O preto cinzento da minha pele,
Sem banho quente,


Pensamento 06:
Então....
Só água Gelada
Então.....
Só café preto
Para acordar esse preto
 Mas.......         
  Nem o pó preto
                       Nem a fumaça estimulante
                                                                    Fazem acordar
 Fazem enxergar
                                  O Negro que sou
 

Pensamento 07
A capoeira fez a sua revolução
Hoje tem seu valor
Hoje tem seu preço no Mercado Modelo
Negros chegaram ao Poder.
E o que fizeram depois com seu diploma?
Mostraram a seus filhos que o caminho é estudar
Mas, abortos ideológicos ainda continuam
Alguns foram feitos pela negrada,
Independentemente do acesso ao estudo,
Justamente por não ter sido preparada
Para o racismo que,
Logo no nascimento,
Com o tapa forte da parteira,
Para saber se era escravo mesmo,
Para anunciar que era preto mesmo,
Teria que lidar
Com o racismo que iria participar 
 
Pensamento 08
Como recuperar, então, a autoestima perdida,  tão feroz e precocemente ofendida?
O caminho é estudar
O caminho é estudar a emoção
De quem já nasce se defendendo
De quem já nasce sendo preto, negro, tição
Aquela sensação me acompanha
 
Pensamento 09
Confundo, por um instante, a mão estendida
Com o peso da chicotada
Aquela sensação me acompanha
Misturo, na minha alma, o olhar gélido do patrão
Com a frieza de quem me escravizou
Associo a boca aberta, pronta para o sorriso,
Com os dentes que levaram a comida do porão
Aquela sensação me acompanha
Até quando? 
 
Pensamento 10
Torço para que essa sensação seja mentira
Seja produto vil de uma sensibilidade barata
Torço para que seja pura imaginação
De quem esqueceu da vida  sem fronteiras
E parou num racismo psíquico
Só seu
Algemado pelo passado
Sem impulso para ir ao futuro
Aquela sensação ainda me acompanha

O espetáculo

 
              Não sei se era você que dançava ou se a dança caminhava no seu corpo. Havia ali uma mistura inédita: um pouco de Bahia, um pouco de África, um pouco de Espanha e um toque contemporâneo, requintado pelos anos de leitura corporal. Tinha consciência do vento, e por isso mesmo bailava. Meio cigana, sandálias de couro, ouvia-se o arrastar dos seus passos. Houve até quem disse em tom de fatalidade: - desceu Iansã; agora só Ogum para acalmar. Um devoto preferiu lhe chamar de Yemanjá. Antecipava-se na mente dele o 02 de fevereiro.
            Um vestido estampado lhe cobria o corpo, e, quanto mais se remexia, suas lindas costas morenas ficavam desenhadas. Fazia amor consigo mesma. E na pista dançante já nascia sua criança, que, logo após o parto, ali mesmo, se balançava nos seus braços receptivos. Nascia o seu especial movimento. Era este o seu terceiro filho.
           A música era um detalhe, porque, na casa, a precisão irregular da sua dança prendia todas as coisas que adornavam o ambiente - árvores, artes rupestres, mesas, cadeiras, garçons, e inclusive todos os convidados, quase umbilicalmente ligados a você, dominados pela liberdade que transpirava em seu corpo. Vaporizados pela sensualidade que escorria do seu suor, gota por gota, tocando-os a cada giro estonteante que o samba lhe impulsionava. Bela e morena. Morena, e só por isso bela, era você ditando doces ordens a quem por ser compreender artista se achava livre. Viam-se homens transtornados. Viam-se homens transformados em bobos da corte, menestréis mudos, aturdidos diante da beleza aniversariante. Esqueceram até da data festiva. As palmas foram direcionadas a você por outro motivo, apartadas dos seus enigmáticos 30 anos. No fim da festa, com o bolo cortado, comemorou-se seu aniversário, mas o que marcou todos foi o seu inesperado espetáculo dançante.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Uma gota de inspiração

A maternidade,
Por ser amor,
Te deixou mais bela
Nada lhe cobrou em sensualidade
Na verdade, continuas a aquecer os olhos
De quem passa
De quem toca
A fina estampa vermelha
Que te veste,
Que te deixa nua
Por representar o escarlate da paixão

Pede-me versos
Por eu ter sido denunciado
Publicamente como um poeta
Mas não é bem assim
Não é tão fácil assim

Difícil se concentrar
Quando chega sua imagem
Como forma de inspiração
Como água potável a refrescar
A garganta de um lobo sedento
Que passou noite adentro
À procura de sua caça
E não a encontrou
E por isso não gozou
E continua sem entender
A força do desejo
Que lhe rasga o peito

Então, respiro e .....
Nada!
Impossível se concentrar
Tento ler os meus sentidos
E nada!

Fui absorvido pelos detalhes
Da sua pessoa,
Da sua carne,
Da sua parte, que é mais que o todo
Detalhes que foram lançados
Pelo vento saído dos seus lábios
Para o tempo da criação

Detalhes que foram gentilmente cedidos
Pela flor que caiu dos seus cabelos
Como grãos de pólen fecundantes
Ávidos para encontrar
Na mente do poeta iniciante
Um terreno fértil para a criação
Mas o beija-flor se perdeu no caminho
Ficou tempo demais suspenso no ar
Os grãos não chegaram
O segredo foi revelado:
- A natureza não trabalha sob pressão!

Os versos sequer se despediram
Porque sequer chegaram
E estão aí no ar
A quem primeiro entender
A quem necessita amar

Ajuda-me! Os dedos tremem
De tanto pensar em escrever
Porém a tinta da emoção não sai
Não risca o papel velho
Descartável, útil a quem labuta com versos
E às vezes se torna refém do mundo
Do concreto

Ajuda-me!
Pinga na minha boca
Uma gota do seu charme
Coloca na ponta da minha língua
Uma gota da sua feminidade
Dissolve no meu ser uma gota de inspiração

É loucura se concentrar
Repito: é impossível se concentrar
Quando sinto no seu trejeito a fome pelo prazer
O ato de amar
Ah! Um salve para as delícias não vendidas
Guardadas sob a pele suada de quem peca
De quem transa
De quem se culpa
Não existem certos, errados, putos, putas e viados
Tudo é uma questão de foder
Educadamente: criar!!!!

Eis que a amizade se desdobra,
Insone, sem repousar de tanto desejo
Acusa-se falsa, arriscada, quase frágil
Contorce-se, revoltada com a moral,
Enverniza-se, pois, com o instinto verdadeiro
E reflete as múltiplas faces da mulher
Que há em você
Traduzindo nas suas pernas cruzadas
No seu salto alto
No seu cabelo iluminado
A diferença sedutora que o tempo lhe deu
Dádiva marcante! É verdade!
Superior ao poder feminino que jorra do seu olhar
Do seu andar de bailarina

Agora, paro.
Um pouco frustrado!
Desculpe-me!
O ofício artístico não foi cumprido
Os versos não saíram à maneira de quem sente
Só me resta uma prece
Suplico, então, a Afrodite:
- Por favor, deixa-a eternamente sendo mulher!


Cheers!!!!!


No olho do amor,
Celebramos os tempos do nosso encontro
No olho do amor,
Rosas importadas estão no chão,
Espumantes na geladeira
Vinhos destampados na mesa
E taças na cama

No olho do amor,
Queijos notáveis são fatiados,
Sem que a lâmina afiada 
Retalhe nossos corações 
Têm-se estimulantes de toda arte,
Fotos, cartazes e declarações,
Além de perfumes novos
Que desenham nas almofadas
Os nossos rostos: eu e você.

Lá estamos nós no olho do amor,
Irradiando o presente da conexão sentida
Escrevendo símbolos numa langerie dourada,
Bebendo o tesão que escorrega pela Champagne que acaba
Ao saciar a vontade de quem degusta o beijo da amada

De tanta adrenalina, o olho do amor sequer pisca
Sem fogos, emoções explodem os nossos corações
Só o cansaço do dia para apaziguar
Quem tanto se deseja,
Quem tanto anseia o Amor,
Sob a trilha sonora da banda que toca
Lá embaixo, no jardim do hotel,
A canção velha, mas inédita ao momento.

Só mesmo o mensageiro para interromper
Com o toc-toc na porta do 604
Quem tanto quer ouvir 
A música recém-descoberta
Da banda sindicalista
Que toca lá embaixo, perto do lago,
A música escolhida que oferece a renovação do amor
 
Lá estamos nós,
No olho do amor,
Felizes, calmos, deitados,
Um pouco mais velhos,
e, por isso mesmo, mais amados
Um para o outro

sábado, 29 de dezembro de 2012

A festa


A beleza tem seu poder
Mas bato palmas para o charme,
Que sem ser necessariamente belo
Leva consigo a magia de encantar
Há quem procure o poder no status,
Numa pulseira verde fluorescente
Que indique o canal aberto para o contato
Ou para o camarote de ilusões  
Esquece-se, pois, dos encontros casuais
Desconsidera-se o beijo e as carícias naturais
Abraça-se, com rancor de quem escreve,
a artificialidade, o sorriso magro interesseiro,
que, sem dificuldade, cede a transigências sociais.
Formam-se, ao final, casos,
À espera do perfume lançado pelo amor
A noite passa ..........
E uma aliança é lançada ao chão.

Um curto diálogo sobre o amor


 Entrando na van, nos perguntaram:     
- Querem  se sentar juntos?
Eu disse:
- Não, obrigado. Não precisa. Estamos conectados.
Aí um colega desavisado brincou:
- É Wi-Fi?
Até entendi a intenção desse colega, que é um sujeito espirituoso. Porém, o coração seriamente gritou sua mensagem, e eu respondi a todos:
- Nãoooo. É amor mesmo!
Após essa exclamação, continuamos separados – eu e minha amada, nos tocando levemente com as mãos, um atrás do outro, até chegarmos ao local desejado: a festa.