quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Entre a luz e o mistério

 
 
O sol é maravilhoso, tudo ilumina, aquece e reaquece corpos humanos que perambulam pela estrada da vida atrás de uma pista, à procura de uma dica, que aponte o extraordinário, o sobrenatural, uma luz misteriosa. Crê-se até, diante de insistente busca pelo lumiar, que a luz solar é insuficiente, não esclarece as ideias e nem remete à mensagem do descobrimento.
O sol é maravilhoso. Não se apaga quando a noite chega e não se intimida quando encontra becos escuros. Trata-se de verdade que dispensa consensos.
Por isso, está tudo tão claro, mesmo à noite, quando a lua nos banha com sua pouca luz, que apesar de não ser totalmente sua, é suficiente para que a visão descanse em leve penumbra e sinta a existência.
Mas, o que é que há com o homem, meu Deus?
E nesse embalo meditativo, conduzido pelos olhos fechados de tanto pensar, sente-se que os sonhos, pesados do fardo diário, parecem inaptos a cumprir sua função - liberar a mente para relativo espaço poroso, sutil, de reencontro, em que seja gostoso estar e pensar que o mundo existe, que a vida é real -, e isso já contempla o extraordinário, o espiritual. Registre-se em cartório, por favor.
Seria como sentar-se à mesa com o seu tom pensante, deslocado de ti para você, ou no sofá da existência, compartilhado por tantos ginastas da angústia humana, e, de pernas cruzadas, após uma baforada refrescante, dada pelas trombetas da lucidez, sentir, apenas sentir, sem pensar, se é que isso é possível, numa espécie de eco da emoção, o Eu existo. Isso é luz. Isso é mistério.
A luz do sol é intensa.  Já é um bom ponto de partida. A procura pela luz também é intensa. Já é outro excelente ponto de partida, com vocação para ser chegada, fim, mas que se perde no caminho porque no meio deste há o fato humano, a existência da carne pensante e emotiva, que na sua individualidade atormenta-se para encarar a luz, embora, inconscientemente, seja pelo suor, seja pelo prazer, absorva diariamente essa luz, que tanto almeja, que tanto existe, que tanto rejeita.
Complicadíssimo de se descrever. Complicadíssimo de se entender. No entanto,  possível compreender - porque compartilhamos aquele sofá da existência - esse impasse sofredor, essa luta, residente em nós,  entre a luz e o mistério. Observe: entre a luz e o mistério, não é entre Deus e o Diabo; não é entre o Bem e o Mal - para esse debate específico, recomenda-se, apesar de não completamente lido, Nietzsche.
O homem, portanto, essa fera sofridamente domesticada, e que dizemos que foi a evolução a sua madrasta educadora, não esquece sua raiz confusa, e continua querendo desvendar a ideia do mistério, o segredo lançado ao mar, passado entre as nuvens, que não se sabe quem ou o que o enviou, e esquece diariamente da luz posta em sua vida, do caminho apresentado à sua sorte, sendo que, ao lembrar-se dessa luz, ao exemplo do que acontece quando admira o sol, não consegue entendê-la, não consegue desfrutá-la, visualizá-la por longo tempo. Volta-se, então, cabisbaixo, para o mistério, e deseja, de qualquer forma, revelá-lo, dizer que ele, mistério, lhe é familiar, justamente para torná-lo claro, luz, e, adiante, negá-lo por mais de três vezes, porque mal entende a luz, porque mal entende o mistério.
E, nesse travamento de emoções, esquece, mais uma vez, que é humano e só isso basta para sentir-se extraordinário, sobrenatural.

 


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