quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Dia de Feira

Comprei versos na feira livre
Havia repentistas, artistas da terra, que vendiam seu suor
Chegava gente de todo lugar, falando alto, dando seu preço,
Meninos se oferecendo para ajudar
Dia de carnaval sem trio elétrico
Era a feira livre que chegava, trazendo sua multidão,
Suas frutas frescas, molhadas pela chuva que amanhecia
Suas verduras puras, orgânicas de tanto amor,
Regadas pela simplicidade de quem cultiva a terra
Com a leveza e a calma da folha que se desprende da árvore
Ao sentir o peso do vento
 
 
Todos compareciam: pretos, brancos, ladrões, putas cansadas,
Da Santa até a última desvirginada
Do marido traído ao bebum da esquina
A democracia se fazia presente, sem qualquer acordo ético
Sem qualquer barganha racial
Era a feira livre que chegava
A negra passou com um lenço na cabeça e, ao rebolar cada detalhe do seu largo e carnudo quadril, anunciou:
- Olha o beijummmmmmmmmmmmm e a pamonhaaaaaaaaaaaaaaa!
A puberdade, então, se declarou no menino excitado, que deixou escapulir:
-Que preta gostosa!
E procurou o banheiro próximo para entender o que lhe acontecia
Foi apenas um recorte que o curioso gravou na sua câmera antiga
Que serviu para registrar a vivacidade da feira
 
 
Pássaros oravam, embicando suas cantigas matinais
Sentia-se na vida tanta vida
O silêncio pedia desculpas ao barulho
O alvorecer pacificava-se com a noite
Respeitava a escuridão e fazia-se luz aos poucos
Abrindo caminho aos vendedores
Era a feira livre que chegava
Na verdade, era a liberdade que chegava, sem estátua magistral.


Um dia, a sexta-feira foi presa
A polícia proibiu o mercado aberto
O capoeira não tocou seu berimbau
A estrangeira ficou sem alento
Corpos não se encontraram
As frutas apodreceram
A cerveja esquentou
O feijão ficou sem fato
A farinha acabou
Então, promessas de retorno foram anunciadas
Mas, ao final, só restou o poeta, que, no lugar de sempre, gritava:
- Eu tenho versos! Eu tenho versos que amolecem o coração!
Chegou, então, um namorado, que, mais uma vez desesperado, lhe pediu:
- Dai-me seus recentes versos para que eu possa manifestar o meu amor!
Ao que o poeta respondeu:
- Meu jovem, os últimos foram vendidos para outro poeta que logo cedo esteve por aqui!
- Dai-me, pois, sua inspiração! Retrucou o mancebo.
Ao que o poeta aconselhou:
- Ahhhh! Pediste o intransferível. Dessas coisas cuida Deus. Encontre em ti a poesia de cada dia.
A feira nunca mais voltou.

 


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